"Como que levada
pela brisa, a borboleta
vai de ramo em ramo."

Matsuo Bashô

10/05/2011

TEORIA DE JIKAN SOBRE PINTURA

Sempre que penso no atual mundo das Belas-Artes, principalmente o mundo da pintura, realmente não posso deixar de ficar pesaroso. Isso porque me parece que os próprios pintores não estão conscientes, nem um pouco, do verdadeiro sentido da pintura. Sem dúvida, existem muitos pontos que eu gostaria de abordar, mas desejo escrever agora sobre um ponto que dificilmente se percebe e que é o mais importante de todos. Trata-se da missão original da pintura. 

A essência da pintura, propriamente dita, não está em deleitar apenas o próprio pintor. Se tudo se resumisse nisso, não haveria nenhuma diferença entre o pintor e a criança que brinca com seus brinquedos. Se for um pintor assim, sua existência será inútil e pode dizer-se que ele não passa de um indolente. Portanto, o pintor precisa estar firmemente consciente a respeito do seu nascimento e dos seus deveres neste mundo. Vou explicar o que eu penso sobre isso.

Em primeiro lugar, qual é o significado da existência do pintor? É proporcionar deleite aos olhos do maior número possível de pessoas e, ao mesmo tempo, elevar a espiritualidade do público através da visão. O verdadeiro trabalho do pintor é elevar o nível de sentimento do homem, tornando-o cada vez mais virtuoso, cada vez mais belo. Naturalmente, a manifestação da individualidade, o desejo de liberdade de produção e também o tema são importantes, mas, se ultrapassar esse limite, essas coisas não terão nenhum sentido. Analisando a pintura dos últimos tempos, percebo que há um grande desvio, que não me deixa permanecer indiferente. As pessoas sensatas, observando essas obras, franzem a testas; realmente elas são extremamente grotescas e, por mais que se tente olhá-las de maneira favorável, não se enxerga nenhuma beleza; é a própria feiúra que ali está expressa, ultrapassando o nível do desagradável e fazendo-nos sentir indignação.

Os pintores, que, orgulhosamente, pintam esse tipo de obras, não estão manifestando a sua individualidade, mas sim, vendendo, forçosamente, o seu subjetivismo. A exposição de seus quadros, ao invés de elevar a alma das pessoas que as apreciam, fará o contrário. Cada vez que olho para pinturas desse tipo, eu me sinto constrangido, pelo desperdício das telas e das tintas. E creio que isso não se limita ao público apenas. Logicamente, tais pintores não conseguem vender seus quadros e, segundo ouvimos dizer, eles estão sempre apertados financeiramente. Sendo assim, sua obra não está contribuindo de forma alguma para o bem do mundo, e eles próprios também sofrem. Ao pensar nessa perda geral, eles deveriam perceber que algo está errado, mas isso jamais acontece. Por conseguinte, só se consegue chegar à conclusão de que se trata de um tipo de doença mental. Creio que esse tipo de pintor nem ele mesmo sabe para que está vivendo. Realmente, devemos ter pena de sua existência vazia. Se ele não conseguir despertar agora e não se colocar na linha, ninguém mais lhe dará atenção, e creio que só lhe restará o caminho da destruição.

Referi-me acima à pintura ocidental, e parece que todos têm a mesma opinião, pois sempre ouço vozes de críticas. Mas quero falar sobre algo que ninguém percebeu ainda. Originariamente, a verdadeira vida da pintura está na qualidade e na excelsitude. Esses requisitos são encontrados em abundância na pintura oriental, mas na pintura ocidental são escassos, ou melhor, praticamente inexistentes. Embora seja de caráter popular, não havendo como separá-la da vida do povo, a pintura ocidental possui seu sabor peculiar. Entretanto, no que se refere à pintura ocidental dos tempos atuais, não se trata do nível ser alto ou baixo; nela, já há muito tempo, o belo perdeu a vida. As obras não passam de obras vazias. A imagem que temos delas é a da própria feiúra, e pode-se dizer que a sensação que elas despertam não é senão a de desagrado, repugnância, indignação e decepção. Por mais que se pense, não se pode deixar de concluir que esse tipo de pintor não passa de uma espécie de pervertido mental. Portanto, toda vez que visito exposições dessa natureza imagino que, se realizassem uma exposição de quadros dos pacientes de um hospital psiquiátrico, sem dúvida, seria semelhante.

Em seguida, quero falar um pouco sobre a pintura japonesa. Pode-se dizer que, ultimamente, a realidade desta pintura também decaiu, mas o caráter peculiar da pintura oriental é a sua qualidade. Sempre que tenho contato com pinturas famosas da China e do Japão, sou tocado pela sua excelsitude, a ponto de minha cabeça se curvar espontaneamente. Entretanto, os pintores japoneses de hoje são, na sua maioria, indiferentes à essência dessa pintura oriental. Atualmente, restam poucos pintores célebres, já de idade avançada, e os pintores jovens têm a tendência acentuada de seguir a pintura ocidental. Podemos dizer que realmente estamos diante de um perigo iminente. Sobre esse ponto, penso que devemos fazer com que eles despertem enquanto é tempo, pois isso me deixa preocupado em relação ao nosso futuro.

Desejo falar, agora, sem me limitar à pintura japonesa ou ocidental, mas incluindo todas as artes, sobre o verdadeiro significado da Arte. Nem é preciso dizer que, sem dúvida, o que eleva o intelecto humano é a transmissão, através dos olhos, do espírito do autor aos apreciadores de suas obras, conduzindo o espírito destes a um nível elevado. Se fosse apenas para divertir a nossa visão, seria igual a um circo ou ao “show” de “strip-tease”, e não Arte. Sem dúvida, pode-se dizer o mesmo em relação aos artistas de belas-artes, aos literatos, aos músicos, aos artistas do teatro, da dança e outros. Eles devem sempre atrair, através da sua arte, o coração do povo, para eliminar, um pouco que seja, o caráter animalesco existente no interior das pessoas e enriquecer ainda mais o seu nível cultural. Além deste, não existe outro motivo da existência da Arte. Assim sendo, a sua objetividade está acima de tudo. Quanto maior a objetividade, maior será o valor artístico. Por mais que a pessoa pense sozinho que é maravilhoso, se o povo não achar, não passará de um objeto sem valor. Nesse caso, a manifestação da individualidade dos artistas não é algo ruim, mas, se ficar nisso apenas, a Arte torna-se uma espécie de fascismo que pressiona o subjetivismo. Custe o que custar, é preciso que sejam obras com as quais o povo também possa deleitar-se. Desde tempos antigos, dizem que devemos observar bem as obras de artistas famosos, considerados grandes mestres. A arte deles é de ampla extensão e deleita não só os intelectuais como também o povo. Ao observar com atenção sua técnica divina, que fascina as pessoas, nota-se que a obra continua viva até hoje.

A seguir, quero falar sobre a literatura japonesa da atualidade. Falando sem cerimônia, seu nível está baixo demais. Os escritores acham que, lisonjeando o povo e seguindo a tendência de uma época vulgar, poderão se tornar autores da moda e ser alvo de atenção de todos. Eles não possuem nada, nem mesmo um ideal. Basta-lhes que a sua obra vire cinema e dê lucros. Isso está expresso nitidamente nas obras da atualidade. Durante a leitura ou apreciação dessas obras, as pessoas acham-nas interessantes, mas limitam-se a isso, e nada aproveitam. É semelhante ao alimento que só tem sabor, não possuindo vitaminas. É um “show” para satisfazer temporariamente o interesse das pessoas. 

Creio que não somos apenas nós que estamos preocupados, temendo que essa arte extremamente vulgar venha a rebaixar a personalidade do povo até o ponto de tornar-se um viveiro do crime. Embora surjam, de vez em quando, pessoas que apontam os defeitos da sociedade, que lançam os problemas e reclamam da posição dos autores, isso é ainda muito escasso e irrisório, no Japão. Ainda não surgiu algo capaz de dar uma verdadeira sacudidela no espírito do leitor. Isto porque, na classe dos literatos japoneses, falta, sobretudo, sentimento religioso e creio que essa seja a causa.

Em contraposição, existem as obras dos grandes autores como Shakespeare, Tolstoi, Victor Hugo, Ibsen, Bernard Shaw e outros, impregnadas de críticas perspicazes sobre a civilização, pensamento inovador, espírito religioso de justiça, etc. Além disso, essas obras possuem algo que atrai o espírito do leitor. Desde a época em que foram escritas até os dias de hoje, elas têm cativado o espírito do povo. Se essa força não for a excelsitude da Arte, o que será então?

Escrevi o presente texto à mercê da minha mente, por isso, se minha explanação for aceita, um pouco que seja, pelos senhores artistas, já me dou por satisfeito.

Mokiti Okada - Jornal Eiko nº. 103 09/05/51

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